domingo, 2 de janeiro de 2011

“Um Clube de Xadrez” de Rodrigo Disconzi

Retirado, com a devida autorização, do blog do Rodrigo Disconzi, aqui fica um bonito texto, que depois de ler, não resisti a partilhar com todos vós.

Um Clube de Xadrez


O garoto acorda cedo, feliz porque descobriu que na sua cidade tem um clube de xadrez, jogo que aprendeu recentemente.


Em férias escolares, decide ir logo de manhã visitar o tal clube e dá de cara com grades de ferro fechando a porta. Algum dia mais tarde ele vai entender que jogar xadrez pelas manhãs é atividade para poucos.

Retorna num sábado de tarde acompanhado de 2 amigos, iniciantes como ele, e encontra o clube repleto de gente jogando e falando alto.


Xadrez não era pra ser jogado em silêncio?


Conseguem uma mesa num canto atrás da porta. Lugar ideal, pois dali ninguém verá as incautas capivaradas deles.

Os dois amigos sentam e jogam e o garoto fica olhando. O jogo demora muito e o que está de fora vai dar umas voltas para ver o jogo dos outros.

Difícil entender como eles jogam tão rápido, batem no relógio e não perdem as suas peças todas!

Tem um senhor que, além de jogar rápido, fala bastante, dá risadas e conta histórias. Parece que ele nem está dando bola para a partida, mas pelo rápido movimento dos olhos dele, está focado em ganhar o jogo.

Não entendo as piadas dele. Fala nomes que não conheço, que parecem ser de outros jogadores ou de alguma jogada bastante conhecida por eles. Os outros parecem entender.

Quando aparenta estar jogando bem, o senhor falador balança os ombros e dá umas puxadinhas com as pontas dos dedos na camisa, na altura dos ombros.

Mais uma volta pelo salão e o garoto é interceptado:

- Quer jogar uma partidinha?

Diz o senhor com cara de alfaiate, cabelo cinza e voz hospitaleira.

O garoto diz que não sabe jogar muito bem e...

- Não faz mal. Você só vai aprender jogando, vamos lá!

O garoto não sabe se tem mais pânico de errar feio já nos primeiros lances ou da possibilidade de alguém começar a olhar a partida dele.

Se oponente joga de forma lenta e elegante, quase com descaso. Não parece alguém que vai lhe dar Xeque-Mate logo de cara.

Isso dá confiança ao garoto, que já começa a pensar em atacar as peças e o rei do seu adversário.

A empolgação dura pouco. O ataque foi precipitado e as peças tiveram que retornar, ficando espalhadas vulneravelmente em casas que nada fazem.

Já com a partida em vantagem, o senhor começa a conversar com o garoto, como se para aliviar a dor da derrota que se aproxima.

Simpático este senhor. O garoto só não entende por que ele às vezes faz uma careta ou outra, distraído, mostrando os dentes.

A tarde passa voando e lá pelas tantas um funcionário pede a gentiliza para que nós, não associados, cedêssemos nossa mesa para 2 sócios que queriam jogar.

Não haviam mais mesas disponíveis!

Tudo bem, até era hora de fazer um lanche.

Foram ao bar do Clube. TV, aquecedor, jornal do dia e gente conversando.

No balcão, alguns livros de xadrez à venda. Todos em espanhol.

A curiosidade de saber o que um livro pode ensinar é grande.

Os 3 iniciantes folheam os livros tentando diferenciar um do outro,
mas não tem jeito: este xadrez em espanhol parece grego.

O tio o bar diz que numa das salas do clube tem uma biblioteca, cheia de livros de xadrez e muitos em português mesmo!

Quando os garotos ameaçam correr para lá, ver os tais livros, o tio do bar os interrompe:

- Só depois de terminar o lanche e tirar a gordura das mãos! Tem livro lá mais velho que eu!

Num canto da biblioteca um senhor, que tem cara de juiz, lê um livro em silêncio.

Na frente dele as peças montadas, que de vez em quando são movimentadas.

Noutra mesa dois jovens olham e estudam as peças em silêncio. Parecem estar jogando, mas quase não se mexem.De vez em quando um deles move as peças, mas para os dois lados, brancas e pretas! O outro diz algo bem baixinho e as peças voltam onde estavam antes.

Nisto entra abruptamente na sala um gordinho de meia idade. Ele joga uma mala preta numa mesa, retirando de dentro dela balas e doces. Distribuiu pra todo mundo que ali estava.

- Os médicos dizem que eu só posso comer umas verduras que aposto que nem eles comem!

Vamos comer estas porcarias enquanto vocês são jovens, pois a minha diabetes não me deixa!

Logo ele saiu da biblioteca. Os doces e a dúvida permaneceram nas crianças: os doces causam o tal diabetes ou o evitam? Comer ou não comer?

Já era noite e um velinho de cabelo todo espetado para cima nos lados, para disfarçar a careca do topo, anuncia que estão abertas as inscrições para o toneio relâmpago. Vários jogadores falam seus nomes par ele, que anota num cadernão com uma letra imcompreensível. Neste cadernão são anotados todos os campeonatos do Clube.

Na biblioteca tem uma pilha destes cadernões. Folhando um caderno antigo qualquer, os garotos encontram o nome do seu atual professor de química, que havia jogado um campeonato ali no mesmo clube 20 anos antes .

O tal relâmpago é só para sócios e os garotos ficam assistindo. Tentam adivinhar quem será o campeão pela cara e pelo jeito de jogar de cada um .

Os mais velhos tem mais experiência, claro.

Os mais jovens batem mais rápido no relógio e são mais agitados.

Um velinho de olhos escuros só fala palavrão e joga fumaça na cara dos adversários, além da cinza no chão. Esse não vai ganhar não!

Um rapaz magrelo com cara de cientista tem cara de que joga bem, mas é meio molenga. Não parece que vai ganhar de todo mundo.

Já o grandalhão tem jeitão de metido e que fala mais do que realmente joga.
Definitivamente não dava para saber quem jogava melhor. Aliás, os amigos tentaram até algo mais fácil: adivinhar as profissões deles.

A brincadeira rendeu risadas. Nada mais que isso. Não dava pra rotulá-los. Ali, jogando xadrez, o que faziam fora era indiferente.

Ao fim do torneio ganhou um que os garotos nem deram bola. Jogava de forma prudente e sem emoção. Não perdeu nenhuma, disseram.

Enquanto jogavam a saideira, as luzes apagaram.

- Já são onze horas! Simbora pessoal !, disse o tio do bar.

Levantaram rapidinho na escuridão, buscando as mochilas e o caminho da saída.

Mesmo no escuro, ainda ouviram as batidas das peças nos tabuleiros.

FIM

MI Rodrigo Disconzi  (http://rodrigodisconzi.blogspot.com/)

Feliz 2011 para todos

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